Brasília é mundialmente conhecida pelo traçado de suas vias. O urbanista Lúcio Costa deu forma à jovem cidade usando quatro escalas: monumental – poder, residencial – superquadras, gregária – setores de serviços e diversão e bucólica – áreas verdes. Tudo isso em harmonia com a natureza.
Veja o especial do Correio Braziliense sobre o assunto:
Patrimônio da Unesco, Brasília celebra 30 anos de tombamento
FONTE: Correio Braziliense – Cidades –7 de dezembro de 2017
Primeira (e ainda única) cidade moderna com tal honraria, a capital do país foi inscrita na lista de Patrimônio da Unesco em 7 de dezembro de 1987. Coube a um arquiteto francês a defesa candanga no processo de tombamento
Nunca havia aparecido uma candidata tão nova. Com apenas 27 anos e ainda em formação, Brasília não tinha a história de uma Paris. Nem monumento antigo como a Acrópole de Atenas. Tampouco um conjunto arquitetônico como o de Roma. Era uma ousadia e tanto a capital brasileira entrar para o seleto grupo das cidades com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco, o braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, Ciência e a Cultura. Mas o reconhecimento veio, em 7 de dezembro de 1987.
Passados 30 anos, a primeira cidade moderna a receber tal honraria, Brasília sofreu agressões das mais diversas formas. Viu brotar cidades não planejadas e a ocupação de áreas onde não deveria haver construções de tipo algum. Mas o título da Unesco se mostrou fundamental na preservação do Plano Piloto conforme o desenhado por Lucio Costa e executado à risca no governo de Juscelino Kubitschek, que em 21 de abril de 1960 inaugurou uma nova forma de se viver no Brasil e garantiu aos moradores da capital uma qualidade de vida única no país.
Sem proteção
Até então, o título da Unesco havia sido concedido só a cidades construídas antes do século 20. A proposta, feita sob a iniciativa do então governador de Brasília José Aparecido de Oliveira, foi examinada e aprovada pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco com base na documentação oferecida pelo governo da capital e em relatório do arquiteto francês León Pressouyre, do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), relator do processo da candidatura candanga.
Nos documentos, Brasília apresentou as principais características e os valores do plano urbanístico. Virtude referendadas por Pressouyre, em maio de 1987. Ele, porém, apontou a vulnerabilidade da nova capital ante as pressões do desenvolvimento predatório que ameaçava (e ainda ameaça) com a descaracterização. Brasília sequer tinha proteção nacional.
Gênio criativo
O comitê da Unesco reconheceu a obra-prima do gênio criativo humano e exemplo eminente de conjunto arquitetural que representava período significativo da história, um marco do movimento moderno. Mas, para ganhar o título de patrimônio mundial, precisava de leis para protegê-la de alterações e deturpações. A cidade construída em 1.296 dias, a partir de 1956, não contava com essa cobertura. Não havia nada que a livrava dos males da especulação imobiliária e de outras ameaças.
Ao tomar conhecimento desse entrave, José Aparecido de Oliveira publicou o decreto, em outubro de 1987, regulamentando a Lei n° 3.751, de 13 de abril de 1960, de preservação da concepção urbanística de Brasília. Em síntese, a lei manda respeitar as quatro escalas que definem os traços essenciais da capital, ou seja, as quatro dimensões dos quatro modos de viver na cidade.
Criadas por Lucio Costa para organizar o sítio urbano que havia apresentado no concurso público aberto pelo Governo Federal para escolher o projeto da nova capital brasileira, as escalas são definidas como monumental (a do poder), residencial (das superquadras), gregária (dos setores de serviços e diversão) e bucólica (das áreas verdes entremeadas nas demais, incluindo a vegetação nativa). Com elas, o urbanista deixou claro as funções de cada espaço da cidade, definindo os setores de trabalho, moradia, serviços e lazer, em harmonia com a natureza.
Era justamente esse conceito o grande trunfo de Brasília, que trazia um desenho único de cidade. Diferentemente do que muitos pensam, seria tombado o projeto urbanístico de Lucio Costa e não os prédios modernistas de Oscar Niemeyer. Esses viriam a ser protegidos por meio de outra leis. Mas as obras de Niemeyer contribuíram para a conquista do título da Unesco. Os representantes da organização ressaltaram que cada elemento — da arquitetura das áreas residenciais e administrativas à simetria dos edifícios — dos traços de Niemeyer estavam em harmonia com o desenho geral da cidade. Assim como o plano de Lucio, a Unesco considerou os prédios inovadores e criativos.
EUA contra
A definição da candidatura de Brasília aconteceu em 7 de dezembro de 1987, em Paris, na 11ª Reunião Ordinária do Comitê do Patrimônio Mundial. Vinte e um integrantes do Comitê estavam no plenário. A representante dos Estados Unidos, Susan Reccem, se manifestou contra a inclusão de Brasília na lista de patrimônio da humanidade. Ela chamou a atenção do plenário para o parágrafo 29 das Orientações para a aplicação da convenção do patrimônio mundial, no qual se indicava o adiamento do exame das cidades do século 20 para depois que os sítios históricos tradicionais fossem protegidos.
Mais uma vez, León Pressouyre saiu em defesa de Brasília. Ele argumentou seria proteger uma obra singular, moderna, única cidade construída no século 20 a partir do nada (o francês usou a expressão latina ex-nihilo) para ser a capital do país. Houve um silêncio. Sinal da aprovação consensual da proposta. Mais uma ou duas considerações e Brasília se transformou em patrimônio cultural da humanidade. Continua a única não secular com tal honraria.
Históricas
No caso do Brasil, Ouro Preto (em 1980), até então, detinham tal título o centro histórico de Olinda (1982), as ruínas jesuítico-guaranis de São Miguel das Missões (1983), o centro histórico de Salvador (1985) e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas (1985).