Não é incomum se encontrar em convenções de condomínios antigas previsão sobre moléstias contagiosas. Desde que existe compartilhamento de posse/propriedade, sempre houve o receio com doenças que poderiam ser facilmente disseminadas em ambiente coletivo. Roma temia a lepra (hanseníase), a “peste negra” (leptospirose) na Europa da Era Medieval e por aí vai
Por André Luiz Junqueira
O avanço das ciências biomédicas gerou uma relativa segurança da sociedade contemporânea, tanto que não se vê mais com tanta frequência previsão sobre doenças em convenções. Por outro lado, essa sensação de segurança de vez em quando é desafiada, agora é a vez do novo coronavírus (COVID-19).
Seguindo a essência do Direito de Vizinhança, o artigo 1.336, IV, do Código Civil brasileiro, determina que é dever do condômino não prejudicar a saúde dos demais. Fazendo uma leitura conjunta com as atribuições do síndico previstas no artigo 1.348, também do Código Civil, chega-se à conclusão de que cabe ao condomínio fiscalizar tal dever, especialmente no que toca o uso das partes comuns e exposição aos demais condôminos e ocupantes. Muito embora os vizinhos também possam tomar suas medidas individuais com base no artigo 1.277 do Código Civil.
Esse breve trabalho tem como objetivo listar de forma sumaríssima quais medidas um condomínio pode adotar para combater doenças infectocontagiosas, mas com fundamento administrativo e jurídico.
Em primeiro lugar, deve-se atentar que, quando se fala em formas de conter doenças, há necessidade de fundamento biomédico para se promover determinada ação condominial. Citam-se duas fontes que podem ser utilizadas como base para determinada ação do condomínio: ato público ou parecer de profissional ou entidade especializada em doenças infectocontagiosas.
Levando em conta que todas ou quase todas as medidas provavelmente restringirão os condôminos/ocupantes em suas propriedades/posses, é imperativo que as ações tenham fundamento técnico. Tal fundamento pode ser retirado de um decreto do Poder Executivo, de uma orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), de uma regra da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dentre outros. Em resumo, não se deve tomar medidas sem consultar um especialista antes.
1. Restrições de acesso à edificação – serviço essencial
Dependendo de como é o acesso ao condomínio, a porta de entrada pode ser um foco de contágio, uma vez que pode ser tocada por um número muito grande de pessoas. Nesse caso, o ideal é viabilizar a abertura remota da porta. Se existe um porteiro com esse acionamento remoto, é o que deve ser priorizado, bem como qualquer outra forma disponível.
A utilização do sistema de entrada e saída através de identificação biométrica deve ser evitada também e pelos mesmos motivos.
Como se trata de forma de acesso à edificação, é possível se regulamentar tal acesso, mas não se deve proibir que novos moradores/ocupantes ou visitantes adentrem o condomínio quando autorizados pelo proprietário da unidade, salvo hipótese extrema, como uma quarentena rígida imposta pelo Poder Público – como a feita na China, proibindo entrada de visitantes em prédios.
Não se pode deixar de mencionar a importância de se proibir atividades de hospedagem, como as negociadas via Airbnb ou Booking, pois têm natureza não residencial e expõe a coletividade à grande rotatividade e, consequentemente, risco de contágio. Muito embora, dadas as circunstâncias, seria de grande ousadia alguém se arriscar oferecer hospedagem ou se hospedar nesse momento.
2. Restrições de uso do elevador, escadas e demais dependências de acesso – serviço essencial
A preocupação com o elevador se funda no espaço curto entre os usuários dentro do aparelho de transporte em ambiente fechado e ventilação limitada ou inexistente. Sem eliminar o uso do elevador, é possível reduzir o limite de pessoas que podem utilizar o elevador ao mesmo tempo, deixando esse limite facultativo para os ocupantes da mesma unidade imobiliária ou quem mais desejar. Cautela extra se impõe com os botões do elevador (internos e externos) que se tornam também focos de contágio.
Também é possível implementar restrições semelhantes para o uso das escadas e outras dependências de acesso (como a portaria e corredores), mas com avaliação proporcional do tamanho do ambiente e, especialmente, sem prevalecer em caso de escape – situação em que naturalmente se terá maior quantidade de pessoas utilizando a parte comum como fuga.
3. Interdição parcial ou total de áreas comuns não essenciais
Piscina, academia, salão de festas, sauna, quadra poliesportiva e outros espaços semelhantes podem ser fechados ou impostas regras que reduzam seu funcionamento (redução de horários ou de pessoas utilizando simultaneamente). Muito embora tal determinação afete de forma direta a propriedade dos condôminos, ainda maior é o prejuízo em potencial à saúde coletiva.
4. Formalidade para a adoção das medidas mencionadas
Em se tratando de uso de áreas comuns, a competência para se criar regras é da assembleia. No entanto, dependendo do embasamento, o síndico pode e deve tomar as decisões que entender mais adequadas para resguardar a saúde dos ocupantes da edificação. Posteriormente, mas oportunamente, convocará assembleia para prestar contas de seus atos e ratificar suas decisões ou o responsabilizar por elas. Essencial que tenha fundamento jurídico para cada ato que praticou para evitar ser responsabilizado cível, criminal e administrativamente.
Porém, a própria realização de assembleia pode ser um fato nocivo à saúde dos condôminos – ponto que será avaliado a seguir.
5. Assembleias – reunião virtual – voto à distância – voto por escrito – assembleia permanente
Mais preparados são os condomínios que já fazem uso de tecnologia para viabilizar a participação de condôminos à distância – o que pode ser facilmente implementado com avaliação de seu jurídico. Participação e voto viabilizado por, por exemplo, WhatsApp, Skype, zoom etc. Com a adequada preparação jurídica, a parte presencial da assembleia pode ser substituída por uma conferência online em tempo real e coleta individualizada de voto, também à distância.
Sob outro aspecto, embora não tão eficiente, também os condomínios que já regulamentaram internamente forma de se realizar assembleias permanentes, também podem minimizar o contato coletivo, estabelecendo sessões de deliberação com um pequeno número de pessoas. O uso dessa via também deve ser bem trabalhado pelo jurídico do condomínio, para evitar fraudes ou invalidação judicial.
Se nenhuma das hipóteses acima puderem ser utilizadas, somente as assembleias imprescindíveis devem ser realizadas. Para tanto, deve-se ter em mente o seguinte:
– Realizá-las em ambiente aberto, mesmo que não seja o costume;
– Permitir em caráter excepcional, envio de votos por escrito (que, na prática, não é diferente de uma procuração), preferencialmente, digitalizados;
– Substituir a lista de presença por gravação e/ou registro da presença pela presidência da assembleia;
– Declarar como prejudicados itens que possam ser adiados, encurtando o tempo da assembleia presencial;
– Reduzir o tempo de duração da reunião com uma condução mais célere pelo presidente e fechando a ata nos dias seguintes;
– Deixar espaço físico obrigatório entre os participantes e exigir o uso de máscaras;
– Barrar a participação de pessoas que aparentem ter problemas de saúde – claramente é uma discriminação e ineficiente, levando em conta que nem sempre um portador de doença infectocontagiosa apresenta sintomas, mas trata-se de filtro que reduz os riscos e a pessoa pode enviar procurador para representá-la.
Um grande receio dos condomínios é para o item de eleição de síndico que, se não votado, poderá prejudicar a representação do condomínio perante bancos e a Receita Federal. Apesar de ser uma preocupação válida, entende-se que, sob o risco de contágio, há fundamentação jurídica suficiente para se obter autorização excepcional para manter tal representação perante terceiros, mesmo que com o apoio do Poder Judiciário.
Deve-se ter em mente que dificilmente o Poder Judiciário invalidará assembleia que teve o máximo de cautelas jurídicas por uma ou outra falta de conformidade, especialmente considerando o risco de contágio. Se dará mais atenção ao conteúdo do que a forma. Por essa razão, é importante que se discutam apenas itens essenciais, que não demandem quórum qualificado e que cada passo tenha fundamento de fato e de direito.
6. Das obrigações de proteção e informação de quem está doente ou com suspeita
Todo condômino tem o dever de não prejudicar a segurança, saúde, sossego dos demais e respeitar os bons costumes (artigo 1.336, IV, do Código Civil). Por essa razão, dependendo do risco, pode-se exigir que:
– Se utilizem máscaras e luvas descartáveis enquanto estiverem em qualquer parte comum, especialmente em áreas confinadas, como o elevador;
– Que comuniquem ao condomínio suspeita ou confirmação de existência de doença infectocontagiosa que possa afetar os demais.
Mesmo sem autorização da assembleia, o síndico pode comandar gastos relacionados a equipamentos de proteção individual (EPI) para seus funcionários (máscaras, luvas, água e sabão para os funcionários, assim como álcool em gel ou líquido 70% para a limpeza de superfícies). Também é recomendável a instalação de dispensers com álcool em gel nas áreas comuns do condomínio, embora o fornecimento de álcool seja um custo, é uma vantagem para o condomínio mantendo o ambiente mais limpo e diminuindo a disseminação do vírus nas áreas comuns.
Vale lembrar que o SUS desenvolveu um aplicativo com o objetivo de conscientizar a população sobre o COVID-19, e para isso, o aplicativo conta com diversas funcionalidades e ainda realiza uma triagem virtual, indicando se é necessário ou não a ida ao hospital em caso de suspeita e infecção do Coronavírus. Essa informação precisa ser disseminada entre os ocupantes, funcionários e prestadores de serviço do prédio.
Por fim, o descumprimento de regras que visam proteger a saúde dos ocupantes está sujeito à multa e outras medidas judiciais de emergência. Destacando que são crimes contra a saúde pública propagar doenças (artigo 267 do Código Penal) e descumprir determinações do poder público para evitar propagação de doença contagiosas (artigo 268 do Código Penal). O gestor condominial deve ter a cautela de solicitar parecer do seu jurídico antes de praticar qualquer dos atos mencionados ou recomendados nesse trabalho.
*André Luiz Junqueira é sócio do Coelho, Junqueira & Roque Advogados, professor e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres”. É pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida, com MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas e certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard. É membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB-RJ, coordenador do Grupo de Trabalhos de Condomínios, membro da Comissão de Turismo da OAB-RJ, membro e ex-diretor jurídico da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário e conselheiro do Núcleo de Estudo e Evolução do Direito.